sexta-feira, 31 de julho de 2015

Orixá Bara Exú e Orixá Oxalá: A conversa do destino


Esse é um texto de um dialogo entre o Orixá Bara Exú e o Orixá Oxalá que eu considero como um ótimo aprendizado a você irmão e irmã espírita, que tras os ensinamentos e a sabedoria dos Orixás que você deve levar em seu caminhar (Destino).
"O céu e a terra fundiam-se no horizonte distante, parecendo uma coisa só, como se não houvesse separação entre o mundo espiritual e o material, a consciência individual e a cósmica.

Sentado sobre uma pedra em uma enorme montanha, de cabeça baixa e olhos apenas entreabertos, Bará observava o fenômeno da natureza e refletia sobre o seu interminável trabalho.

Como é difícil a humanidade – pensou em certo momento – parece nunca estar satisfeita, está sempre querendo mais e, em sua essência egoísta desarmoniza tudo, tudo... Tudo que era para ser tão simples acaba tão complicado.

Com os olhos habituados a enxergar na escuridão e na distância, Bara Exu observou cada canto daqueles arredores. Viu pessoas destruindo a si mesmas através de vícios variados, viu maldades premeditadas e outras praticadas como se fossem atos da mais perfeita normalidade. Viu injustiças, principalmente contra os mais fracos e indefesos. Com seus ouvidos, também atentos a tudo, ouviu mentiras, palavras de maledicência, gritos de ódio e sussurros de traição.
Bará suspirou.

Serei eu o diabo da humanidade? – pensou ironicamente, ao lembrar o quanto era associado à figura do demônio. Passou horas observando coisas que estava habituado a ver todos os dias: mentiras, fraudes, corrupção, traições, inveja, e uma gama enorme de sentimentos negativos.

Foi quando estava imerso nesses pensamentos que Bará ouviu uma voz ao seu lado, dizendo naquele tom austero, porém complacente:

Alupô, Senhor Falante.

Bará ergueu os olhos e vislumbrou a figura altiva de Oxalá.

Èpa Bàbá – respondeu Bará, fazendo um pequeno movimento com a cabeça, em sinal de respeito.
Noto que está pensativo, amigo Bará – falou Oxalá.

Bará respirou fundo, contemplou novamente o horizonte e respondeu:

Trabalhamos tanto... e incansavelmente, mas os homens parecem não valorizar nosso esforço.

Oxalá moveu os lábios para dizer algo, mas antes que isso acontecesse, Bará, como que prevendo o que seria dito, continuou:

Não falo em tom de reclamação, sou um trabalhador incansável e o amigo sabe disso. É com prazer que levo o que tem ser levado e retiro o que deve ser retirado.

É com satisfação que abro ou fecho os caminhos, de acordo com a necessidade de cada um, é com resignação que acolho sobre minhas costas largas a culpa do mal que muitos espíritos encarnados e desencarnados fazem, não reclamo do meu trabalho.

Sou Exú Elegbara, para mim não existe frio ou calor, cansaço ou preguiça, existe apenas a necessidade de cumprir a tarefa para qual fui designado.

Se mostra tão resignado e, no entanto, parece que deixa-se abater pelo desânimo – comentou Oxalá, apoiando-se em seu paxorô.

Bará soltou uma gargalhada, ao que Oxalá deu um leve sorriso, com um movimento quase imperceptível no canto direito dos lábios.

Não sou resignado nem tampouco estou desanimado – falou Bará Exú – estou pensativo sobre pouca inteligência dos homens. Veja só: como responsável pela aplicação da Lei Cármica observo muita coisa.

Observo não apenas o sofrimento que alguns homens impõem a si mesmos, mas vejo também as incessantes oportunidades que o Universo dá a cada um dos seres que habitam a Terra.

O aprendizado que tanto precisam lhes é dado por bem, mas quase nunca enxergam pelo amor, então lhes é dada a oportunidade de aprender pela dor, mas geralmente só lembram a lição enquanto a dor está a alfinetar sua carne. Com o alívio vem o esquecimento e todos os erros e vícios voltam a aflorar.

Oxalá fez menção de dizer algo, mas com o dedo em riste entre os lábios, novamente Bará o impediu de falar.

Ouça – disse Bará, colocando a mão em concha na orelha, como se ele e Oxalá precisassem disso para ouvir melhor. E ambos ouviram o som que vinha da Terra. O som da inveja, dos maus sentimentos, da maledicência, da promiscuidade, da ganância. Bará deu outra gargalhada e disse:
Percebe? Temos trabalho por muitos séculos ainda.

E isso não é bom? – perguntou Oxalá, que dessa vez não deixou Eshu responder e continuou:
Pobres homens, ignorantes da própria grandeza espiritual e da simplicidade do Universo. Se não desconhecessem tanto o funcionamento das coisas, seriam mais felizes.

Não estão preocupados em discernir o bem do mal – resmungou Bará.

E você está, Senhor Falante? – tornou Orixá Oxalá.

Mais uma vez Bará gargalhou.

Para mim não existe o bem ou o mal. Existe o justo, bem sabe disso.

Então por que tenta exigir esse discernimento dos pobres homens?

Eu conheço os caminhos – respondeu Bará um tanto irritado – para mim não existem obstáculos, todos os caminhos se abrem em encruzilhadas. Para mim as portas nunca se fecham e as correntes nunca prendem. Conheço o sutil mistério que separa aquilo que chamam de bem daquilo que chamam de mal. Não sou maniqueísta, não sou benevolente, pois não dou a quem não merece, mas também não sou cruel, pois sempre ajo dentro da Lei. Os homens, coitados, acreditam na visão simplista do bem e do mal, como se todo o Universo, em sua “complexa simplicidade” se resumisse apenas entre o bem e o mal.

Pobres homens – repetiu Oxalá.

Pobres homens – concordou Bará Exu – mesmo olhando o Universo de uma forma tão simplista, dividido apenas entre bem e mal, acabam sempre demonizando tudo, achando que o mal é o melhor caminho para conseguir o que desejam ou então acreditam que são eternas vítimas do mal. E o que é pior, quase sempre eu é que sou o culpado.

Mas é você o responsável pelo mal? – perguntou Oxalá, admirando o horizonte.

Sou justo, apenas isso – respondeu Bará.

Não seria a justiça uma prerrogativa do Orixá Xangô? – tornou o maior dos orixás.

Bará olhou fundo nos olhos de Oxalá e respondeu:

Estou a serviço do Universo, de cada uma das forças que o compõe, inclusive do Senhor da Justiça.
Isso significa que trabalha em harmonia com o Universo, caro Bará?

Imaginei que soubesse disso – respondeu Bará, irônico como sempre.

Acho que sempre soube. Quando observo o horizonte e vejo o céu fundindo-se à Terra, percebo o quanto o material pode estar ligado ao espiritual. Mas também lembro que o sol vai raiar e acredito que apesar de todas as dificuldades que os próprios homens criam, é possível acender a chama da fé em seus corações. Percebo o quanto eles são falhos, mas percebo também o quanto são frágeis e precisam de nós – e nesse momento pousou a mão sobre o ombro de Bará – sejam dos que trabalham na luz ou na escuridão, pois tudo faz parte do Uno e se inter-relacionam. O mesmo homem que hoje está nas profundezas mais abissais, amanhã pode ser o mensageiro da luz.

Bará olhou para os olhos de Oxalá, como se não estivesse concordando, mas dessa vez foi Oxalá quem não deixou que o outro falasse, prosseguindo com sua narrativa:

Se não fossem os valorosos guardiões que trabalham nas regiões trevosas, dificilmente os que ali sofrem um dia alcançariam o benefício da luz. Se houvesse apenas a luz, não haveria o aprendizado, que tem como ponto de partida o desconhecimento, as trevas. O Universo tão simples é ao mesmo tempo tão inteligente, que mesmo nós, que observamos os homens a uma distância grande, às vezes nos surpreendemos com sua magnitude. Os homens são frutos que precisam amadurecer e você, amigo Exu, é a estufa que os aquece até o ponto certo da maturação e eu sou a mão que os colhe como frutos amadurecidos.

Quem diria que trabalhamos em harmonia? – disse Bará em meio a um sorriso – acreditam que vivemos a digladiar quando na verdade trabalhamos em busca de um mesmo objetivo: o aprimoramento da raça humana.

Babá Oxalá só não soltou uma gargalhada porque não era esse seu hábito (e sim o de Bará), mas disse sem conseguir esconder o contentamento:

Então, companheiro Bará, não temos porque lamentar. A ignorância em que vivem os homens é sinal de que ainda temos trabalho a realizar. A pouca sabedoria que possuem significa que ainda estão muito próximos ao ponto de partida e cabe a nós, não importa se chamados de “direita” ou “esquerda”, auxiliá-los em sua caminhada, que é muito longa ainda. Apenas contemplar as mazelas dos corações humanos não irá auxiliá-los em nada. Sou a luz que guia os olhos da humanidade e você é o movimento que não a deixa estática. Se pararmos por um segundo sequer, atrasaremos em séculos e séculos o progresso da raça humana, que tanto depende de nós.

Nesse momento o sol começou a raiar timidamente no horizonte, separando o céu e a Terra. Bará levantou-se da sua pedra e se pôs a caminhar montanha abaixo.

Aonde vai, Senhor Falante? – perguntou Oxalá, como se não soubesse.

Vou trabalhar, Senhor dos Orixás – respondeu Bará gargalhando novamente – Esqueceu que sou um trabalhador incansável e que trabalho em harmonia com o Universo, mesmo que ele me imponha a luz do sol?

Oxalá não respondeu, mas esboçou um sorriso tímido. Assim trabalhava o Universo: sempre em harmonia. Os homens, mesmo ainda presos a tantos conceitos primários, trilhavam os primeiros passos em direção ao progresso, pois não estavam órfãos de seus orixás e protetores."

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