quinta-feira, 23 de junho de 2022

Maria Padilha da calunga maior & Tranca Ruas das almas da estrada....


Eu vou contar um pouco do que Maria Padilha das Almas me contou sobre sua relação com ele em uma conversar que tive com ela há alguns anos atrás:
Maria Padilha ainda era uma rameira
Sem eira nem beira, muito jovem
Quando ele a conheceu.
Ele também era muito jovem,
Os dois tinham idades aproximadas.
Ele era rico, vinha de uma familia
Abastada e por nunca ter passado
Nenhum tipo de necessidade
Ou por nunca ter visto a maldade
Diante dos olhos ele era
Ingênuo, quase bobo.
Ela era jovem mais já tinha
Provado do amargor da vida
Ao ponto de não ter nem resquício
De inocência.
Ela ainda trabalhava como prostitua
Para Maria Quitéria
E vida não era nada facil.
Ele era um rapazote risonho
E falador que pensava que a vida
Era uma aventura e que ele
Seria o herói.
Inevitavelmente ele se encantou
Por ela e ela se deixou levar
Resultando em um romance.
Era tempo em que o Brasil ainda
Era um império, e quando
O rei criou a Armada Imperial
O jovem rapaz foi convocado
Para representar sua nobre família
Que tinha fama entre os militares.
O Brasil entrou em conflito com
Países vizinhos, ele se foi
Junto as tropas e as naus
Para enfim viver o heroísmo
Que buscava.
Padilha não o viu
Por mais de duas décadas.
Quando ele voltou a cidade
Ela ja não era uma rameira
E sim a cafetina mais rica da região.
Ele também não era mais um
Jovem falante mas sim
Um homem maduro, calado
E de olhar frio.
O heroísmo e a aventura que
Ele quando jovem imaginou
Não foi o que viveu, pelo
Contrário, ele viu a violência
E a profunda maldade de perto
E isso o malejou por dentro.
Ele agora era chamado Tranca-Ruas
E era um digníssimo "Par do Reino".
Ele havia visto coisas monstruosas
Durante as guerras.
Ele havia feito coisas horrendas.
Quem trabalha no
Campo de batalha nunca fica
Longe do sangue inocente.
Ele foi ao Cabaré, talvez na esperança
De ver aquela mocinha
Mas encontrou um mulherão.
Nesta altura da vida os dois
Eram muito amargos.
Ele estava casado, a esposa era
Um fardo.
Casamento arranjado dava nisso,
Ele nem suportava morar na mesma
Casa com a esposa e por isso vivia a
Viajar nas missões que
O imperador lhe dava.
Quando ele se encontrou com Padilha
Ela conseguiu devolver a ele
Um pouco da alegria que faltava.
O romance reacendeu
E ele quis se casar com ela.
Disse que se fosse preciso daria
Um fim na esposa para poder
Se casar com Padilha.
Padilha de imediato disse não.
Ela não nasceu pra ser casada,
Ela sabia que ser esposa não
Era diferente de ser escrava.
Padilha era independente e
Queria continuar assim.
Ele se decepcionou, pensou que
Ela o havia iludido
Não quis mais ser somente amante
E então foi embora novamente.
O tempo passou, ela se envolveu
Com muitos homens e
Ele com muitas mulheres
Mas não esqueciam um do outro.
Outras decadas vieram e por fim
Ele voltou a visitar o cabaré.
Grande foi o espanto dele ao
Ver que o tempo não havia passado
Para ela.
Padilha ja tinha mais de sessenta
Anos mas parecía ter vinte.
Não era ela uma feiticeira?
As bruxas sabem muito bem
Disfarçar a idade.
Já ele estava apoiado em uma
Bengala e o cabelo grisalho ja tomava
Grande parte de sua cabeça
E barba.
Ele se tornou poderoso,
Tão influente que era respeitado
Em todo canto.
Tranca Ruas se sentiu envergonhado
Em sua aparência quase senil,
Mas Padilha não o desprezou por isso.
O romance voltou com tudo.
Porém ele tinha filhos, netos
Uma família para zelar
E principalmente tinha negocios
Para tocar.
Ela não tinha paciência para estas
Coisas tão triviais.
Ele se foi novamente
Ela ficou.
Quando ele retornou
Ela ja não estava entre nós.
Padilha se findou graças a loucura
De Capa-Preta.
Tranca Ruas não convivia
Muito com ela mas
Era um alento saber que sempre
Poderia ir ve-la e seria bem recebido.
Quando ele soube de sua morte
Esse alento o abandonou.
Ele morreu pouco tempo depois
Quando se meteu em uma nova
Missão mas a idade fez sua força
Falhar e o inimigo o conseguiu matar.
Eles dois se encontraram muito
Tempo depois, no mundo dos mortos.
Ela e ele se reconheceram
E desde então retomaram aquele
Velho hábito de as vezes se encontrarem
E passarem algúm tempo juntos.
Isso para eles bastas.
Ela não é a esposa dele nem
De ninguém
E ele pensa da mesma forma.
O que os une é apenas saudade.
Ela hoje é uma entidade poderosa
E ele tão poderoso quanto.

Para Maria Padilha a vida deve
Ser sim cercada de pessoas que
Amamos mas ela sempre abominou
A ideia de "pertencer" a alguem.
Ela sempre dizia que nasceu sozinha
Pois da barriga da mãe ela saiu
Desacompanhada e que morreu
Sozinha pois no caixão só
Coube ela e mais ninguém,
Por isso sempre aconselhava
A amar muito mas nunca se deixar
Dominar por ninguém.
O amor de verdade não aprisiona.

Essa não é uma história romântica com final feliz, mas é a única que eles tiveram.

Nos encontros de quando ainda eram vivos eles tiveram algumas boas histórias, mas isso conto outro dia.

Saravá!

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