domingo, 24 de março de 2013

2 DE FEVEREIRO




Flores. Perfume. Espelhos. Velas. Presentes. O salgado da água que vem do continente africano respingando nos olhos. Pescadores, gente religiosa, turistas, gente querendo se aproveitar dos turistas, a menina que pediu um grande amor, o senhor que recebeu um emprego, muita gente de branco, os atabaques, as saudações, risadas, rezas, cantorias, samba. Festa. O salgado da água que vem dos olhos respingando no mar.
O som das ondas quebrando. Dia de Nossa Senhora dos Navegantes. Nosso povo negro e brasileiro aproveitou essa data para presentear outra mãe, que não a católica. Aquela que cuida de seus filhos, aquela que é mar, que é onda, que é água que envolve sempre. Presentear quem dá alimento, transporte, trabalho, vida. Um país que vive de frente para o mar, um povo que chegou aqui pelo oceano. Em Salvador, muitas nações de descendentes de africanos usaram essa data para poderem fazer suas festas para as diferentes senhoras que representam as águas. Era a chance de fazer isso na frente de todo mundo, com orgulho, sem medo. A festa foi diminuindo em muitas praias, até que no ano de 1923 um grupo de pescadores no Rio Vermelho entrou em desespero: os peixes estavam escassos. Resolveram presentear da maneira correta aquela que eles chamavam de Mãe DÁgua e pediram ajuda a uma profunda conhecedora dos mistérios africanos. O presente foi preparado e levado para Iemanjá, que o aceitou. Os peixes voltaram e, desde então, a festa cresceu e se espalhou pelo Brasil. O som das ondas quebra em todos os lugares.
Foi com sangue e dor que essas tradições foram mantidas. Seres humanos arrancados de suas terras. Que eram proibidos de mostrar sua fé. Presos e torturados por, simplesmente, rezar. Mas que se mantiveram firmes. Que usaram de inteligência para resistir. Que contaram com a força de princesas nada bobas que, vindas da África, lideraram seus povos por aqui. O mar é bravo quando quer. Que tiveram a proteção de Orixás como Iemanjá, que não é apenas uma mãe doce e calma. Nos nossos espaços sagrados, os terreiros, comemoramos Iemanjá em outras datas, outras festas. Sabemos da importância dessa grande mãe, que não é só o mar. Que cuida de aspectos essenciais e profundos, individuais, de cada um de nós. Mas que é de todos, não apenas daqueles que podem conhecer os mistérios, o awô. A água escorre, sempre chega onde quer. E Iemanjá cuida de tanta gente que também é saudada na virada do ano. Gente que nunca pisou num terreiro, gente que não acredita em quase nada, gente de todas as cores e nacionalidades. Vaidosa, mamãe agradece as flores do Reveillón e do 2 de fevereiro entregues por todos seus filhos que façam isso com sinceridade, mesmo que não estejam vestidos de branco. O mar é calmo quando quer.
O espelho reflete a beleza. Reflita. Jogue suas flores no mar. Só cuidado para, no seu íntimo, não carregar nenhum preconceito contra nossa herança africana, nossa religiosidade. E cuidado com o comércio que tenta se apropriar da festa. Crianças e adultos, todos, deveriam saber que essa grande celebração que hoje é televisionada, internetada, tuitada, feicebucada, blogada, comentada, celebrada, divulgada, só existe porque alguns dos nossos ancestrais preservaram sua fé com um amor incondicional. Amor de mãe. Jogue suas flores ao mar. Hoje, vemos Iemanjá sendo celebrada em todos os lugares, até em terras européias. A beleza cria espelhos onde eles não existiam.
Odô Iyá!

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