terça-feira, 1 de dezembro de 2015

A Iniciação no Candomblé (Parte 2)

Porquê “fazer santo”?

Conhecer a si mesmo: pressuposto básico para a realização pessoal em todos os níveis. Desde sua origem, o ser humano anseia pelo encontro com o Infinito. Essa busca incansável frequentemente provoca verdadeiras batalhas que são travadas no interior do indivíduo, acompanhadas por sentimentos de angústia, ansiedade, inconformismo ou até mesmo de desespero face ao desconhecido ou ao irremediável: as fatalidades e incertezas do amanhã, o ciclo da vida, a morte.

Todo o processo de Iniciação se destina à criação de ambiente propício ao tão sonhado encontro. A história da humanidade espelha essa incansável busca de respostas aos enigmas da vida: Quem sou eu? De onde venho? Para onde vou? A felicidade é perseguida por todos, sendo muitas vezes um desejo alimentado pela incerteza. E o ser humano continua a colocar a própria felicidade longe de si mesmo, em circunstâncias exteriores: dinheiro, posição, poder, fama, ou na dependência de outras pessoas: “Se ele – ou ela – me amar, serei feliz”. Há milhares de anos, o nativo do continente africano já tinha os mesmos anseios: conhecer o seu Deus, os mistérios do Universo, a origem da Vida. Olodumarê (o Criador), em sua Graça e Poder infinitos, permitiu-lhes conhecer a sabedoria do IFA (a revelação): a Criação do Universo e dos seres humanos, os princípios que regulam as relações entre Ilú Aiyé (a Terra) o Orún (mundo espiritual) e o conhecimento dos Orixás, divindades intermediárias entre Deus (Olodumarê) e os homens.

Desenvolveram-se rituais iniciáticos para os mistérios dos Orixás, como forma de realizar o sagrado em si mesmo, ou seja, permitir que o Deus Interior, na figura de um ancestral divino, desperte em cada indivíduo e estabeleça a ponte com o Cosmos, tão necessária à realização pessoal, tornando-o assim capaz de fazer escolhas mais acertadas e consequentes em relação à vida e aos semelhantes, na construção da própria felicidade. A compreensão clara de que o destino é uma possibilidade e não uma fatalidade é a base dessa realização. O conhecimento das forças que regem o Universo e a Vida nas suas mais variadas formas e meios de manifestação, bem como dos princípios que regulam essa interacção é o caminho da Iniciação. Depois da primeira parte deste tema, continuo agora com um pouco mais de informação sobre a Iniciação no Candomblé.

Brevemente, ainda voltando a este tema irei expor alguns detalhes importantes que completarão esta informação, e que certamente propiciarão um conhecimento mais profundo deste momento tão importante na vida de cada um que decide abraçar o Candomblé como sua Religião.

Fazer santo: Quem, Quando e Como?

O momento do “chamado” é diferente para cada pessoa. Para alguns, uma doença difícil de ser curada, para outros, as dificuldades do próprio caminho; outros ainda, buscam fugir às religiões tradicionais por concluírem que muitas delas estão tão voltadas para o dia a dia dos homens e para os seus interesses imediatos que acabam por fugir à sua real finalidade: promover o encontro do ser com a Divindade, ampará-lo em suas dificuldades espirituais e consequentemente, também as materiais. Alguns ainda são provenientes de outras religiões ou filosofias espiritualistas; finalmente, existem aqueles que simplesmente são tocados pelo Orixá, fundo na própria alma.

A iniciação (feitura) propriamente dita acontece num período de reclusão que varia entre sete a dezassete dias (embora alguns lugares adoptem 21). Essa reclusão (recolhimento) ocorre nos Templos Religiosos conhecidos como Casas de Candomblé, em aposentos próprios para tal finalidade. Esse período é comparável à gestação na barriga da mãe; nesse aspecto, o aposento sagrado representa o ventre da própria mãe natureza. O neófito aprende os mistérios básicos das divindades e da Criação; os costumes da comunidade e os princípios que regulam as relações da família religiosa (hierarquia sacerdotal); as formas adequadas de comportamento nas cerimónias públicas e restritas. Conhecimentos acerca de seu próprio Orixá são-lhe ministrados: a maneira adequada de cultuá-lo, as suas proibições (ewò), as virtudes que deverão ser cultivadas e os vícios que deverão ser evitados para atrair influências benéficas e uma relação harmoniosa com a divindade pessoal.

O que pode mudar na vida do Iniciado?

O Destino é dado a cada ser na forma de possibilidade, nunca como fatalidade. Desse modo, quem antes de voltar ao mundo escolheu por exemplo ser médico, ao renascer na Terra encontrará no seu caminho situações que o direccionem para essa profissão. Entretanto, isto não quer dizer que necessariamente venha a exercer a medicina. Ele pode a qualquer tempo mudar os rumos da própria vida através do exercício do livre-arbítrio (o que, aliás, é um conceito universal). Cada qual constrói a própria história. Ocorre muitas vezes a pessoa acabar por fazer escolhas erradas e sofrer consequências desastrosas. Pode ser fruto de um destino “negativo”, que exigirá tempo e determinação para ser superado. A dor transforma-se em companheira constante. Ligam-se a tudo isso os problemas do dia a dia (para não mencionar a situação difícil da sociedade contemporânea); o conjunto destes factores acaba por provocar sentimentos de impotência frente aos obstáculos e encruzilhadas da vida, ou simplesmente solidão, carência de carinho, de orientação, de coragem. Carência de fé. O Orixá pessoal, nesse particular, pode influenciar em muito, prevenindo ou mesmo remediando estas situações, conferindo força e equilíbrio ao seu tutelado, restaurando-lhe as energias, estendendo-lhe protecção e orientando-o quanto ao melhor caminho a seguir.

Mas o indivíduo deve permitir que o Orixá actue de modo construtivo na sua própria vida. O Orixá não representa problemas no caminho de ninguém – pode significar a solução. Através do seu apoio divino o ser humano pode criar condições para vencer as barreiras internas e externas para a construção de um futuro melhor.

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