quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Èsù - O Fecundador do Cosmos




Èsù é um personagem que teve toda a sua vida vilipendiada pela cultura ocidental. Pense nesta idéia: o europeu quando chega à África, primeiro para escravizar e depois para colonizar, não quer compreender aquela cultura, ele quer explicá-la de acordo com o seu referencial, porque precisa dominá-la.
Eles chegam na África e conhecem uma figura que nunca tinham visto, que tinha uma forma de representação(Ogó) que eles ligaram ao diabo, e disseram: "isto não pode ser Deus, se isto se opõe ao sagrado, isto é o demônio, é o diabo". E a partir daí, o preconceito, a discriminação, o racismo e a ignorância fizeram o resto.


Essa é a figura de Èsù, que foi sistematizada no Ocidente como se fosse o demônio. Mas a cultura africana não admite essa polaridade de bem e mau. Não existe isso para os africanos e para o Iorubá em especial. Essa noção de que se sou mau vou para o inferno e se sou bom vou para o céu, não existe para os Iorubás. Eles têm o Òrun Àiyé, onde Òrun é o lugar no qual se dá o sagrado a Àiyé é onde acontecem as coisas da terra, um é o céu e o outro é a terra, mas em um contexto muito mais complexo.


Èsù apresenta aquilo que é mais importante para a cultura, que é fundamental na transformação Cósmica, tem uma representação que é o falo humano, que é a representação do Ogó. O "cara" chega lá e vê isso, um cara que é "casto", que pensa a relação da carne como um pecado. Os europeus chegaram lá, viram o Èsù e classificaram-no como o Diabo, o Demônio.



Para o africano não, para o africano o corpo é uma festa mesmo, e tem que ser tocado. A fertilidade é fundamental. O africano tem que ter filhos. Se ele não tem filhos ele morre para a posteridade. Ter filho é uma dádiva para os africanos!


Quando nasceu minha filhinha, eu ficava vendo aquelas músicas que o pessoal cantava assim: "Boi, boi, boi, boi da cara preta." Se eu for cantar isso ela vai ver que o boi da cara preta sou eu, é uma cantiga inadequada para você cantar para uma criança negra. Ai eu fui falar com uma velha africana, e ela me ensinou uma cantiga, que diz assim: "Vamos ao mercado comprar dendê e feijão porque a nossa criança vai chegar e ela é a riqueza da nossa casa". Olha que coisa diferente, por isso para o Iorubá ter filho é importante, por isso Èsù é essa representação, ele tem a representação do falo porque ele vai fecundando o Cosmos, sem ele o axé não se renova, e se não se renovar ele fenece e morre. Se Èsù não fecunda o Cosmos, esse Universo morre, acaba, não tem sentido.



Èsù joga as sementes sobre o Cosmos, por isso a representação dele tem que ser um falo, e para o Iorubá isso é muito natural. Èsù é o único que pode se apresentar diante de Olodumare, porque ele é o único que está mais próximo dos homens, e é aquele que vigia o comportamento das divindades e dos homens.

Degradar Èsù, vilipendiá-lo, justificou as violências cometidas contra o povo negro no período da escravidão. Èsù transita sobre todas as cores, e as cores são importantes para os Iorubás, porque elas representam axés especiais, como também elementos da natureza, a água, a terra, o fogo, o ar, que permitem a manifestação do sagrado. Então Èsù tem essa representação na qual aparecem o ogó, que é a representação do falo, tem as sementeadeiras que são seus saquinhos onde tem os "pós mágicos", e tem também a representação daquele que junta tudo. Ele é a representação do vivo, da vida e da morte, de tudo que existe no Cosmos, de todas as forças cósmicas, ele é a representação de absolutamente tudo.

O mito mais bonito de Èsù é um mito chamado Axé-Turá, aquele que nasceu sob a força do Axé, e depois transformou-se em Oxê-Turá, filho do Axé. É lindo e eu vou sintetizar:
"Segundo o mito, Olodumare chama seus dezesseis filhos mais antigos e mais poderosos, e para cada um deles dá uma missão: vocês vão para um lugar chamado Aiê, que é a Terra, para que as pessoas possam relembrar a nossa história. Você vai criar as florestas onde serão celebradas as memórias de nossos ancestrais. Você vai criar as florestas onde vai ser lembrada a memória de Oro. E assim foi distribuindo tarefas. Essas dezesseis criaturas vem e começam a criar o cenário favorável para o desabrochar da vida na Terra, no Aiê. E tudo que eles falassem poderia acontecer. "A palavra gesta o cenário!"Chegaram com essa missão.

Quinze desses filhos eram homens, e apenas uma era uma mulher. Eles saíram pelo mundo afora fazendo as coisas e deixaram a mulher de lado. A mulher começa a sentir uma coisa complicada e começa a pensar: "eu tenho função", e ela usa um poder que só as mulheres têm para a cultura Iorubá, ela começa a usar o seu poder mágico das chamadas Iami, que são as representações femininas muito importantes.

Tudo que eles vão fazer começa a dar errado, ele chega em um lugar e diz você vai ficar muito rico, e a pessoa fica pobre, você vai ter muitos filhos, e a pessoa fica estéril, você vai viver cem anos, e a pessoa morre no dia seguinte. E aquilo para eles é uma coisa maluca porque a palavra tem que gestar cenário.

Eles reunem-se, vão até Olodumare e perguntam a ele o que está acontecendo, e ele pergunta de volta: "E o décimo sexto entre vocês?" E eles respondem: "É apenas uma mulher". Olodumare responde que sem essa mulher nada vai acontecer.

Eles voltam à Terra e chegam diante dessa mulher e falam: "A partir de agora você vai andar conosco por todos os lugares onde nós formos, precisamos de você." E ela responde: "Agora não quero, esse projeto perdeu o valor para mim, não tem mais importância nenhuma." Depois de muito negociar ela falou: "Trago dentro de mim um feto, se for um homem, vou permitir que ele ande com vocês, se for uma mulher eu vou destruir essa realização, nós vamos fazer uma coisa em outro lugar. Mas há uma condição: todo o axé de vocês tem que ser passado para essa criança." Então todos os dias eles chegavam lá diante daquela barriga e passavam o seu axé.

Passados os nove meses nasce a criança, Èsù!"




(Extraído de Cultura Iorubá, Palestra de Juarez Tadeu de Paula Xavier, com adaptações)

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